O presente
.... Todo o presente verdadeiro é recíproco. J. L. Borges
Os dias tinham se tornado monótonos e a casa andava vazia à espera dos futuros hóspedes. Gezebel aproveitava a solidão de véspera para sonhar. Além da espera, a espera a consumia e as horas sobravam. Mas era agradável imaginá-los assim: andando pela casa com as suas caudas brancas que formavam triângulosinhos perfeitos; e já podia ver os seus longos pescocinhos que logo invadiam as alturas. Naquela hora tão esperada, ela reinou: Dois? Não, três! Três patos em casa! A pata com seus dois patinhos que já ocupavam todos os cantos: quarto, cozinha, banheiro, e também o corredor. Gezebel era alegria. Entretinha-se, observando-os: a pata mãe andava chacoalhando o seu corpão e a sua cauda empinada. Semicerrando as pálpebras, ela podia ver ao longo daquelas patas um pequeno, minúsculo, quase imperceptível grãozinho, a voar, como um elétron que descrevia círculos em volta de seu núcleo. Para vê-lo com mais nitidez, gostava de se chegar bem pertinho e, zás-trás: ali estava outro filhote, rodopiando alegre, frenético, absurdo, entre as patas da mãe. Os dias iam. Gezebel não vinha mais ao jardim, nem ao pomar. Rondei várias vezes a casa esperando, em vão, ver o seu rostinho, porém, tudo o que consegui foi recolher algumas plumas brancas que voavam pela varanda. A tristeza tomou conta dos arredores. Sem o ouro dos seus cabelos, todos percebíamos que existia um outro lado além do lado de fora. Numa manhã, muito cedo, e como no acordar de um sonho, a porta se abriu: Gezebel saiu, debruçou-se no chão do pomar e ficou a observar as negras formigas que por ali andavam em fila
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